Processos Emblemáticos

Processos Emblemáticos

Camilo Castelo Branco

O PROCESSO (1859-1861)

Um dos mais famosos processos expostos no Museu do Tribunal da Relação do Porto diz respeito à acusação de adultério de Ana Plácido e Camilo Castelo Branco (1859-61). Julgados na cidade e encarcerados durante cerca de um ano na cadeia da Relação do Porto, enquanto decorriam as investigações e as posteriores sessões do tribunal, o processo espoletou um enorme interesse mediático, dividindo a sociedade e a opinião pública portuguesa. O próprio rei D. Pedro V fez questão de visitar o réu no cárcere por duas vezes (em 1860 e 1861).

© Camilo Castelo Branco, c. 1880; Autor: Photo Perez
Propriedade: Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão / Casa de Camilo

© Ana Augusta Plácido, c. 18--;
Propriedade: Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão / Casa de Camilo

CAMILO CASTELO BRANCO

CAMILO CASTELO BRANCO (1825-1890) teve uma vida atribulada e, apesar de nascido em Lisboa e com a infância e adolescência em Trás-os-Montes, com fortes ligações ao Porto. Em 1842 ingressa na Escola Médico-Cirúrgica do Porto, mas o seu carácter instável e irreverente encaminha-o para uma vida de boémia, repleta de amores e desamores, não chegando a finalizar o primeiro ano. Mas é também neste período que alicerça uma colaboração assídua nos jornais, publicando, em 1846, os seus primeiros trabalhos literários no jornal “O Nacional”.

© Tribunal da Relação do Porto / Fundo Antigo do Arquivo

LIVRO DE CONFIDÊNCIA - 1860

O Senhor Procurador Régio, fazendo recair toda a culpa sobre os miseráveis povos, só e unicamente fundado na informação do seu hortelão, e sem outra alguma investigação, andou, no meu entender, com demasiada precipitação neste negócio, e deu lugar a novos comentos, todos eles pouco lisonjeiros para a sua pessoa.

É muito para notar que o Senhor Procurador régio, sendo em verdade só um dos referidos presos da sala de S. José o verdadeiro culpado, fizesse cair o castigo sobre todos os presos da Cadeia, já ordenando que só quatro a quatro saíssem ao corredor a receber o caldo, dando assim lugar a que a maior parte dos presos, atenta a grande distância das enxovias ao referido corredor recebem o caldo frio, ou quase frio, e já alterando e restringindo as horas deles poderem comunicar, com exceção do preso Camilo Castelo Branco, e de duas presas, uma delas co-ré daquele, aos quais se permitiu poderem continuar a comunicar desde a hora de levantar até à hora de recolher, segundo me informou o respetivo Carcereiro.

Se aqueles miseráveis presos influíssem na Imprensa, como influi aquele Camilo Castelo Branco, e conhecessem a fundo, como ele conhece, a arte de expor ao riso público as fraquezas humanas, tenho por certo que o Senhor Procurador Régio seria um pouco mais cauteloso nas suas determinações.

A CELA DE CAMILO CASTELO BRANCO

É em 1850 que se apaixona por Ana Plácido, uma jovem poetisa portuense, a quem a família “impõe” um casamento com um “brasileiro de torna viagem”, provocando um profundo desgosto em Camilo que ingressa num Seminário em 1851... por pouco mais de um ano. Decide, então, lutar pela sua amada, seduzindo Ana Plácido e levando com esta uma vida adúltera, fugindo juntos em 1859. Capturados e julgados pelas autoridades, permanecem na Cadeia da Relação do Porto durante cerca de um ano, acabando por ser absolvidos pelo juiz, pai de Eça de Queirós, face à falta de provas concludentes. No cárcere, Camilo conhece Zé do Telhado, famoso salteador, de quem acaba por ficar amigo e ao qual se refere na sua obra “Memórias do Cárcere”. Camilo acabará por apoiar “Zé do Telhado” durante o processo judicial do bandido, igualmente exposto neste museu.

© Amor de Perdição, 1862; Autor: Camilo castelo Branco
Propriedade: Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão / Casa de Camilo

LIVRO “AMOR DE PERDIÇÃO”

Em 1859 CAMILO CASTELO BRANCO (1825-1890) era já um destacado e popular escritor. Foi, de resto, o primeiro autor literário a viver em Portugal exclusivamente da escrita. Destacando-se entre as figuras da segunda geração do movimento romântico em Portugal, Camilo veria a sua fama reforçada com o romance “Amor de Perdição” que escreveu durante o período em que se encontrava preso, e considerado como uma das obras máximas do ultrarromantismo português.